Ácido Glioxílico em Produtos Alisadores Capilares: Regulamentação e Repercussão no Mercado Europeu

ÁCIDO GLIOXÍLICO NA MIRA DA EUROPA

O Ácido Glioxílico como Alternativa ao Formaldeído

O ácido glioxílico tem sido amplamente utilizado como alternativa ao formaldeído em produtos de alisamento capilar, devido às suas propriedades suavizantes e ao fato de ser apresentado como uma opção mais segura. No entanto, estudos indicam que ele pode liberar formaldeído quando aquecido a altas temperaturas, como no uso de chapinhas e secadores, o que levanta preocupações quanto à sua real segurança.

Regulamentação na União Europeia (Regulamento 1223/2009)

O Regulamento (CE) nº 1223/2009, que estabelece as normas de segurança para cosméticos na UE, não menciona especificamente o ácido glioxílico em seus anexos. Ou seja, ele não consta nas listas de substâncias proibidas ou restritas (anexos II ou III) e pode ser usado em produtos capilares, dependendo apenas da avaliação de segurança do fabricante. Isso significa que não há um limite de concentração oficialmente definido no regulamento vigente.

Porém, a ANSES (Agência Nacional de Segurança Sanitária da Alimentação, do Ambiente e do Trabalho), na França, emitiu uma recomendação limitando o uso do ácido glioxílico a uma concentração máxima de 100 mg/kg (0,01%) em preparações prontas para uso. Embora essa recomendação não seja ainda uma norma obrigatória na União Europeia, ela pode influenciar futuras revisões da regulamentação.

Liberação de Formaldeído pelo Ácido Glioxílico

Embora seja comercializado como “sem formol”, o ácido glioxílico pode gerar formaldeído quando aquecido durante o processo de alisamento capilar. Estudos reconhecidos pelas autoridades europeias confirmam esse fenômeno. Segundo relatório da ANSES (Agência Nacional de Segurança Sanitária da França), devido à sua estrutura química (um grupo aldeído na molécula), o ácido glioxílico provavelmente se decompõe em formaldeído sob altas temperaturas – como as atingidas ao passar a chapinha no cabelo​.

De fato, medições de qualidade do ar em salões detectaram presença de formaldeído durante alisamentos realizados com produtos supostamente “sem formol”, indicando emissões provenientes do ácido glioxílico ou derivados​

Em outras palavras, na etapa de aquecimento do cabelo, tratamentos à base de ácido glioxílico podem liberar vapores de formaldeído no ambiente. Esse reconhecimento técnico-científico levou a ANSES e outros órgãos a alertar que produtos contendo ácido glioxílico ou derivados (ex.: glyoxyloyl cisteína, glyoxyloyl queratina) apresentam risco de emitir formaldeído, um agente cancerígeno, durante o uso com calor. Vale notar que essa liberação não é intencional para o efeito do produto, mas ocorre como subproduto indesejado da química do ácido glioxílico.

Comparativo: Ácido Glioxílico vs. Formaldeído Puro

Apesar de não conter formaldeído adicionado diretamente, um produto de alisamento à base de ácido glioxílico pode expor o usuário a quantidades significativas de formaldeído gasoso, embora geralmente em teor menor do que as fórmulas antigas à base de formaldeído puro. Por exemplo, uma investigação na África do Sul encontrou teores de formaldeído entre ~0,96% e 1,4% em 6 de 7 produtos de “escova brasileira” rotulados “sem formol” analisados​. ( anses.fr )

Esses níveis são mais baixos do que os dos alisantes antigos que usavam formol deliberadamente (em alguns casos vários por cento), mas ainda assim representam uma concentração alta. Para contextualizar, a UE julgou inseguro até mesmo 0,05% de formaldeído livre em cosméticos leave-on para consumidores sensíveis, reduzindo recentemente o limite de rotulagem de “libera formaldeído” para apenas 0,001% (10 ppm)​ ( infarmed.pt )

Assim, mesmo pequenas liberações, na ordem de dezenas de ppm, já são motivo de preocupação regulatória. Além disso, fontes oficiais apontam que traços consideráveis de formaldeído têm sido detectados no ar de salões durante alisamentos sem formol​ (anses.fr), reforçando que a exposição ocorre. Em comparação, produtos que utilizavam formaldeído puro (ou formalina/metilenoglicol) liberavam volumes ainda maiores de formaldeído, resultando em níveis elevados no ar ambiente – motivo pelo qual tais produtos foram objeto de banimentos e recalls na última década. Portanto, do ponto de vista quantitativo, o ácido glioxílico não elimina totalmente o risco do formaldeído, apenas tende a reduzi-lo parcialmente; mesmo assim, o formaldeído liberado pode exceder em muito os limites seguros definidos pela UE (10 ppm), dependendo das condições de uso. Em resumo, um alisante “sem formol” à base de ácido glioxílico ainda pode expor a usuário e o profissional a frações relevantes de formaldeído, embora inferiores às de um produto com formol adicionado diretamente​. (anses.fr)

Impactos à Saúde e Segurança

Riscos do ácido glioxílico (diretos): A descoberta mais alarmante associada a esse ingrediente foi a ocorrência de insuficiências renais agudas em usuárias de alisantes capilares contendo ácido glioxílico. Entre 2023–2024, a ANSES registrou pelo menos quatro casos na França de falência renal aguda horas após o procedimento de alisamento (todos necessitando hospitalização, mas com recuperação após tratamento)​ anses.fr.

Ao analisar esses casos e dados toxicológicos, a agência confirmou o nexo causal com o ácido glioxílico​ (anses.fr). O mecanismo proposto envolve a absorção sistêmica do ácido glioxílico através do couro cabeludo lesionado ou aquecido e sua metabolização em ácido oxálico, levando à formação de cristais de oxalato de cálcio nos rins​ premiumbeautynews.com.

Esse efeito pode precipitar danos renais graves (nefrite e necrose tubular), explicando os sintomas observados – dores lombares/abdominais, náuseas e vômitos horas após a aplicação​ anses.fr

Embora raro, esse risco agudo é considerado sério; Israel relatou ~20 casos similares recentemente​ premiumbeautynews.com

Além da toxicidade renal, o ácido glioxílico em si é um agente cáustico e sensibilizante: em pH muito ácido (muitos produtos têm pH <2 para maior eficácia alisante), ele pode causar irritação severa na pele e couro cabeludo. De fato, no sistema europeu CLP, o ácido glioxílico possui classificação harmonizada de perigo como “causa danos graves aos olhos” (lesão ocular irreversible) e “pode causar reação alérgica cutânea” (sensibilizante de pele cat. 1B)​ echa.europa.eu

Ou seja, o contato com os olhos pode levar a queimadura ocular, e pessoas expostas repetidamente podem desenvolver alergia de pele ao produto.

Riscos do formaldeído liberado (indiretos): A emissão de formaldeído durante o uso desses alisantes adiciona um risco químico conhecido aos consumidores e profissionais. O formaldeído é um gás irritante e tóxico; a inalação dos vapores e o contato com olhos e mucosas podem causar irritação intensa das vias respiratórias, olhos lacrimejantes, tosse e dor de garganta. A exposição crônica ou de alta dose é associada a dores de cabeça, agravamento de asma e outros efeitos sistêmicos. Além disso, o formaldeído é um agente cancerígeno reconhecido. A UE classificou-o como carcinógeno de categoria 1B (desde 2013) e proibiu seu uso cosmético justamente devido ao potencial de causar câncer nas vias aéreas superiores em exposições prolongadas​ infarmed.pt

​ Também é um potente sensibilizante: mesmo concentrações baixas (ppm) podem induzir alergias respiratórias e dermatológicas em indivíduos suscetíveis​ infarmed.pt.

Profissionais de beleza que realizam alisamentos repetidamente ficam vulneráveis a dermatites de contato e sintomas respiratórios pela exposição ocupacional ao formaldeído. Cabe notar que, nos casos de insuficiência renal investigados, cogitou-se se o formaldeído inalado poderia ter contribuído para a nefrotoxicidade; porém, a literatura indica que a toxidade renal do formaldeído é pouco evidenciada e os dados clínicos não apontaram o formol como causa principal dos danos renais agudos, reforçando que o ácido glioxílico em si foi o agente lesivo nesses episódios​. anses.fr

Independentemente disso, do ponto de vista de segurança do consumidor, a presença de qualquer quantidade de formaldeído em um tratamento cosmético é motivo de preocupação, dado seu perfil tóxico bem documentado. Assim, a combinação de um ativo potencialmente nefrotóxico (ácido glioxílico) com a liberação de um carcinógeno volátil (formaldeído) levanta sérios questionamentos quanto à segurança desses produtos.

Impacto no Marketing e na Percepção do Consumidor

Muitas marcas utilizam a estratégia de rotular produtos com ácido glioxílico como “livres de formol”, buscando atrair consumidores preocupados com os riscos do formaldeído. No entanto, essa prática tem sido criticada, pois o composto pode liberar formaldeído sob certas condições, tornando a alegação enganosa e potencialmente prejudicial para a transparência do setor.

Com a crescente conscientização dos consumidores e alertas de órgãos reguladores, há um impacto negativo na confiança do público em relação a esses produtos. Muitas pessoas têm buscado alternativas mais seguras e naturais, o que pressiona as marcas a desenvolverem novas formulações que realmente eliminem a exposição ao formaldeído.

Conclusões e Medidas Propostas

Diante das evidências, órgãos europeus vêm adotando uma postura cautelosa em relação ao ácido glioxílico. Em janeiro de 2025, a ANSES emitiu um parecer oficial concluindo que há risco inaceitável no uso desse ingrediente em produtos de alisamento e recomendando restrições ou mesmo a proibição do ácido glioxílico em cosméticos capilares na UE​.

A agência francesa orienta consumidores e cabeleireiros a evitarem o uso de alisantes contendo ácido glioxílico até que medidas regulatórias sejam adotadas​. (anses.fr)

Este posicionamento levou a Comissão Europeia a acionar o seu Comitê Científico de Segurança do Consumidor (SCCS) para avaliar urgentemente o ingrediente.​ Espera-se que, com base nessa avaliação, sejam introduzidas regulamentações específicas – possivelmente limitando a concentração máxima permitida ou incluindo o ácido glioxílico no anexo III (restritivos) ou II (proibidos) do regulamento de cosméticos. Enquanto isso, a orientação predominante é de princípio da precaução: privilegiar alternativas seguras de alisamento e reforçar a conscientização sobre os riscos destes produtos. Em suma, embora o ácido glioxílico tenha surgido como “substituto do formol”, as autoridades europeias reconhecem que ele não é isento de perigos – podendo gerar formaldeído e causar danos à saúde – e estão mobilizando ações para garantir a proteção dos consumidores com base nas evidências científicas mais recentes.

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