
O mercado de cosméticos na União Europeia é um dos mais exigentes do mundo em termos de segurança e regulação. Entre os pontos mais delicados para fabricantes e marcas está o uso de alegações nos rótulos e materiais de marketing. Saber o que pode ser dito sobre um produto e com base em que evidência é essencial para evitar sanções e garantir a conformidade com o Regulamento (CE) no 1223/2009, em especial seu Artigo 20.o, e com o Regulamento (UE) no 655/2013, que estabelece os critérios comuns para as alegações cosméticas.
Neste artigo, vamos esclarecer:
- Quando é possível fazer uma alegação sem testes próprios.
- Quais ingredientes permitem isso.
- Em que casos é obrigatório apresentar testes específicos para sustentar a afirmação.
O que dizem as regras?
O Artigo 20.o do Regulamento 1223/2009 estabelece que nenhuma alegação pode atribuir ao produto características ou funções que ele não possui. Para garantir isso, o Regulamento (UE) 655/2013 definiu 6 critérios comuns obrigatórios, que servem de base para todas as alegações feitas em cosméticos na UE:
1. Conformidade legal
A alegação deve estar em conformidade com toda a legislação vigente da UE, sem fazer promessas que ultrapassem o escopo cosmético. Por exemplo, um produto não pode se apresentar como “curativo” ou alegar tratar doenças capilares ou dermatológicas.
2. Veracidade
A informação apresentada deve ser verdadeira. Se um ingrediente é destacado, ele deve estar presente na fórmula em quantidade significativa e deve cumprir a função alegada.
3. Evidência
A alegação deve ser sustentada por evidência adequada e verificável. Essa evidência pode ser baseada em literatura científica, dados de fornecedores ou testes realizados pelo fabricante.
4. Honestidade
As alegações devem ser honestas em relação ao desempenho do produto. Evitar exageros como “efeito instantâneo garantido” ou prometer resultados que o produto não pode entregar.
5. Equidade
As alegações devem ser formuladas de maneira justa, sem denegrir ingredientes, técnicas ou produtos concorrentes. Por exemplo, dizer que um produto é “livre de parabenos” não deve implicar que produtos com parabenos sejam inseguros (já que são ingredientes aprovados e regulamentados). Para ampliar este contexto, fizemos uma outra entrado em nosso blog onde tratamos sobre este tipo de alegações.
6. Decisão informada do consumidor
O consumidor deve ser capaz de tomar uma decisão informada com base nas informações fornecidas. Isso inclui a clareza da linguagem, evite termos enganadores ou que possam ser mal interpretados.
Cumprir esses seis critérios é fundamental para evitar problemas com a fiscalização sanitária e proteger a reputação da marca.
Ingredientes que dispensam testes próprios
Quando um ingrediente possui um histórico longo de uso cosmético, com propriedades amplamente reconhecidas e documentadas, é possível justificar a alegação apenas com dados bibliográficos.
📊 Ingredientes que permitem alegações sem testes próprios
Ingrediente (INCI) | Função Tradicionalmente Reconhecida | Alegações Possíveis | Evidência Aceitável |
---|---|---|---|
Argania Spinosa Kernel Oil | Nutrição, brilho, antioxidante | “Nutre intensamente”, “Ajuda a reparar os fios” | Literatura técnica + uso tradicional |
Cocos Nucifera Oil | Emolência, proteção, penetração nos fios | “Reduz a quebra”, “Suaviza os fios” | Publicações científicas + fornecedores |
Aloe Barbadensis Leaf Juice | Hidratação, suavidade, calmante | “Hidrata naturalmente”, “Suaviza os fios” | Dados de literatura + INCI reconhecido |
Butyrospermum Parkii Butter | Hidratação profunda, emolência | “Hidrata intensamente”, “Restaura maciez” | Uso tradicional + monografias cosméticas |
Panthenol (Provitamina B5) | Hidratação, brilho, elasticidade | “Melhora a maciez”, “Hidrata profundamente” | Bibliografia científica consolidada |
Simmondsia Chinensis Oil (Jojoba) | Hidratação equilibrada, regula oleosidade | “Nutrição leve”, “Hidratação equilibrada” | Dados técnicos + literatura tradicional |
Ricinus Communis Seed Oil (Rícino) | Fortalecimento, brilho, selagem de cúticula | “Fortalece os fios”, “Reduz pontas duplas” | Uso consagrado + monografias de ingrediente |
Persea Gratissima Oil (Abacate) | Nutrição profunda, revitaliza cabelos secos | “Nutrição intensa”, “Revitaliza os fios” | Dados técnicos de fornecedor + uso tradicional |
Ingredientes que exigem testes específicos
Existem casos em que dados bibliográficos não são suficientes, especialmente quando a alegação:
- é específica demais (ex: “hidrata por 72 horas”)
- envolve ativos inovadores, ainda sem histórico consolidado
- ou está relacionada a efeitos visíveis e mensuráveis (“reduz 80% da quebra”)
📊 Ingredientes que exigem testes técnicos próprios
Ingrediente (INCI) | Tipo de Alegação | Exemplo de Evidência Necessária |
---|---|---|
Hydrolyzed Wheat Protein | Reforço da fibra capilar, redução de quebra | Teste de resistência à tracao / estudo clínico |
Vegetable Keratin (Queratina vegetal) | Preenchimento da fibra capilar danificada | Teste in vitro sobre a fibra capilar |
Peptídeos biomiméticos | Estimulação de crescimento, proteção celular | Testes clínicos controlados |
Silicones funcionais (dimethicone crosspolymer) | “Brilho instântaneo”, “efeito liso imediato” | Testes sensoriais + medição de brilho |
Complexos encapsulados inovadores | Liberação prolongada, multiproteção | Estudo de liberação + testes de desempenho |
Sanções e Multas: O que está em jogo?
Fabricantes que não cumprem os regulamentos europeus relativos às alegações cosméticas podem enfrentar consequências sérias. A fiscalização é feita por autoridades competentes de cada Estado-Membro e pode incluir:
Tipos de sanções:
- Notificação de não conformidade (advertência formal)
- Obrigação de recolhimento do produto
- Proibição de comercialização até adequação
- Multas administrativas e financeiras
Exemplos de valores:
- Em países como a Espanha, multas podem variar de 600 € a mais de 600.000 €, dependendo da gravidade da infração e do potencial risco ao consumidor.
- Em casos de reincidência ou fraude intencional, pode haver também bloqueio da atividade e ações judiciais.
Além das implicações legais, há o prejuízo reputacional, perda de confiança do consumidor e impacto comercial.
Conclusão
Para pequenas e médias marcas cosméticas, saber quando é possível usar alegações sem precisar investir em testes dispendiosos pode representar uma vantagem competitiva importante. É possível comunicar benefícios reais, de forma legal e segura, utilizando ingredientes com histórico e respaldo técnico.
Por outro lado, quando o produto se propõe a entregar benefícios diferenciados ou mensuráveis, é indispensável investir em testes de comprovação.
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